Hancornia speciosa Gomes

Mangaba, mangabeira

Árvore inerme, latescente, caducifólia ou subcaducifólia, heliófila, monoica, até 6 m de altura e 15 cm de DAP. Casca externa cinzenta a pardacenta, muito dividida e descamante; casca interna rosada. Madeira moderadamente pesada, brancacenta ou amarelada. Râmulos purpúreos ou purpúreo-acinzentados, lisos ou levemente escamosos. Folhas simples, opostas,  elípticas, glabras ou pubescentes na face inferior, com 6-12 x 3-6 cm, purpúreas quando senescentes . Inflorescências terminais, com até 7 flores. Flores diclamídeas, pentâmeras, hermafroditas, perfumadas, com 2,5-4 cm de comprimento; corola torcida, branco-rosada a amarelada. Frutos globosos ou ovoides, polispermos, verde-claros ou com predominância de áreas purpúreas, suculentos e com 3-5 cm de comprimento quando maduros. Sementes bege, comprimidas, envoltas em polpa viscosa, com 6-10 mm de comprimento.

Distribui-se por todas as unidades federativas do Brasil, exceto Santa Catarina e Rio Grande do Sul, desde os tabuleiros costeiros da região Nordeste até o Pantanal e a região Amazônica, passando por áreas de grande altitude das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Ocorre, representada por pelo menos três variedades (speciosa, gardneri e pubescens),  em todas as partes do Cerrado, em cerrados ralos, médios e densos, em uma grande diversidade de solos e com diferentes graus de frequência e densidade. Destas variedades, a mais dispersa é a speciosa.

Apresenta-se desfolhada, ou com apenas parte das folhas, entre junho e agosto. A maioria dos indivíduos floresce entre agosto e outubro e exibe frutos maduros entre setembro e novembro. Alguns se reproduzem em outras épocas do ano, às vezes mais de uma vez no ano. As flores são frequentadas e polinizadas por insetos de hábito diurno e norturno, com destaque para mariposas da família Sphingidae. As sementes são dispersas por animais que se alimentam dos frutos.

Fornece madeira utilizável em confecção de objetos que exijam lenho resistente e fácil de esculpir. A casca do tronco é utilizada na medicina popular como abortivo, laxativo e febrífugo, e o látex  é usado no tratamento de úlcera péptica, diluído em água. O látex, com propriedades similares ao da seringueira (Hevea brasiliensis), já foi explorado comercialmente para atender a indústria de borracha, mas hoje só é extraído por artesãos, para impermeabilizar tecidos e confeccionar bolas de futebol para crianças. Os frutos são saborosos, nutritivos e muito apreciados pela população,  sendo consumidos in natura e usados para fazer suco, sorvete, doce em compota e licor. Além disso, entram na dieta de aves e de vários outros membros da fauna silvestre. A espécie é indicada para recomposição de cerrados alterados e para formação de pomares de fruteiras nativas, como já vem ocorrendo em propriedades rurais e centros de pesquisas dentro e fora do Cerrado.

As sementes da mangabeira dessecam-se com facilidade e são rapidamente infectadas por fungos. Por esta razão, para apresentarem índices satisfatórios de germinação, é preciso livrá-las da polpa que as envolvem, colocá-las para secar à sombra e semeá-las num prazo de no máximo três dias após retiradas dos frutos. A semeadura deve ser realizada em recipientes contendo substrato areno-argiloso peneirado em malha fina, dispostos em ambiente com cerca e 50% de sombreamento. Deve-se colocar duas a três sementes por recipiente e cobri-las com uma camada de terra de 0,5 a 1 cm de espessura. Por este protocolo, a emergência das plântulas ocorre num prazo de 15 a 30 dias e a taxa de germinação pode ser superior a 80%. Recomenda-se realizar o desbaste das plântulas quando estas estiverem com 5-7 cm de altura, deixando-se no recipiente apenas a mais vigorosa. Alguns dias após essa operação, retira-se a cobertura ou leva-se os recipientes para um local descoberto, a fim de permitir a adaptação das plântulas ao meio natural. O crescimento das plântulas de algumas progênies é rápido, com os indivíduos iniciando a produção de frutos por volta do quinto ano após a formação da muda. Alguns estudiosos demonstraram que é possível formar mudas de mangabeira por meio de técnicas de micro-propagação e de enxertia.

H. speciosa tem ampla dispersão no Cerrado, está presente em várias unidades de conservação de proteção integral nesse bioma, mas ocorre frequentemente em terrenos preferenciais para atividades agropastoris e é alvo de extrativismo sem controle, o que tem colocado em risco grande parte das suas populações.

Variedades e caracteres distintivos

H. speciosa é uma espécie polimórfica, na qual Monachino (1945) distinguiu seis variedades que não foram integralmente confirmadas em estudos subsequentes. Em trabalho mais recente,  Rizzo & Ferreira (1990) citaram três variedades para Goiás (speciosa, pubescens e gardneri), descrevendo-as com base em aspectos da morfologia e do indumento das folhas. Na Flora do Brasil 2020 em Construção, apenas as duas primeiras variedades são citadas. A abordagem aqui apresentada é extensiva às três variedades citadas por esses dois autores, que podem ser distinguidas pelos caracteres sumarizados no quadro abaixo.

Variedade speciosa

 Variedade pubescens

 Variedade gardneri

Folhas glabras, de até 6 x 3 cm; pecíolo de 9-15 mm de comprimento

Folhas pubescentes, de 6-12 x 3-6 cm; pecíolo de 3-5 mm de comprimento

Folhas idênticas às da variedade pubescens, mas com lâmina foliar glabra

Indivíduo da variedade típica (speciosa) em faixa de cerrado convertido em pastagem. Coromandel (MG), 06-09-2013

Superfície do ritidoma e cor da casca interna e do látex da variedade típica (speciosa). Coromandel (MG), 16-11-2013

Folhas e flores da variedade típica (speciosa). Coromandel (MG), 16-10-2013

Fruto quase maduro da variedade típica (speciosa). Coromandel (MG), 09-09-2013

Folhas novas da variedade pubescens. Cristalina (GO), 07-10-2018

Frutos quase maduros e folhas adultas da variedade gardneri. Corumbá de Goiás (GO), 12-09-2004

LITERATURA
AGUIAR-FILHO, S.P.; BOSCO, J. & ARAÚJO, I.A. 1998. A mangabeira (Hancornia speciosa): domesticação e técnicas de cultivo. João Pessoa: EMEPA-PB, 26 p. (Documentos, 24).
ALMEIDA, S.E.S et al. 2018. Fenologia de Hancornia speciosa Gomes (Apocynaceae) em Montes Claros de Goiás, Brasil. Enciclopédia Biosfera, v.15, n.27; p.8-18.
ALMEIDA, S.P. et al. 1998. Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina (DF): EMBRAPA-CPAC, 464 p.
AGUIAR-FILHO, S.P. et al. 1998. A mangabeira (Hancornia speciosa): domesticação e técnicas de cultivo. João Pessoa: EMEPA-PB, 26 p. (Documentos, 24).
BRANDÃO, M.G.L. 2015. Plantas úteis de Minas Gerais e Goiás: na obra dos naturalistas. Belo Horizonte: Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG, 109 f.
CAVALCANTE, P.B. 1991. Frutas comestíveis da Amazônia. Belém: Edições CEJUP; CNPq/Museu Paraense Emílio Goeldi, 5a ed., p.155-157.
CHAVES, L.J. & MOURA, N.F. 2003. Recursos genéticos da mangabeira no bioma cerrado. I SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA MANGABA, Aracaju. Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
DARRAULT, R.O. & SCHLINDWEIN, C. 2003. Polinização de Hancornia speciosa (Apocynaceae). I SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA MANGABA, Aracaju. Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
GRIGOLETTO, E.R. 1997. Micropropagação de Hancornia speciosa Gomez (mangabeira). Dissertação (mestrado), Universidade de Brasília, 68 p.
Hancornia in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB15557>. Acesso em: 04 out. 2023.
IBGE. 2002. Árvores do Brasil Central: espécies da Região Geoeconômica de Brasília. Rio de Janeiro: IBGE, p.90-93.
LEDERMAN, I. & BEZERRA, J.E.F. 2003. Situação atual e perspectivas da cultura da mangaba no Brasil. I SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA MANGABA, Aracaju. Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
LEDERMAN, I.E. et al. 2000. Mangaba (Hancornia speciosa Gomes). Jaboticabal (SP): FUNE,. 35 p.
LIMA, I.L.P. & SCARIOT, A. 2010. Boas práticas de manejo para o extrativismo sustentável da Mangaba. Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 68 p.
NARAIN, N. & FERREIRA, D.S. 2003. Tecnologia de alimentos aplicada à mangaba. ). I SIMPÓSIO BRASILEIRO SOBRE A CULTURA DA MANGABA, Aracaju. Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
PEREIRA, A.V. et al. 2016. Hancornia speciosa. Mangaba. In: VIEIRA et al. (eds.). Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial: Plantas para o futuro: Região Centro-Oeste. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, p.237-246.
OLIVEIRA, R. et al. 2014. Diagnóstico e manejo dos polinizadores da mangabeira em Pernambuco e Paraíba: conservando polinizadores para produzir mangabas (Hancornia speciosa, Apocynaceae). In: YAMAMOTO, M. et al. (coords.). Uso sustentável e restauração da diversidade dos polinizadores autóctones na agricultura e nos ecossistemas relacionados: planos de manejo. Rio de Janeiro: Funbio, p.79-96.
OLIVEIRA, K.S. & ALOUFA, M.A.I. 2021. Knowledge, use, and management of mangaba (Hancornia speciosa Gomes) by extrativist communities on the coast of Rio Grande do Norte, Northeast Brazil. Acta Botanica Brasilica, v.35, n.2, p.276-289. April-June 2021. doi: 10.1590/0102-33062020abb0108.
OLIVEIRA, L.M.O. & VALIO, I.F.M. 1992. Effects of moisture content on germination of seeds of Hancornia speciosa (Apocynaceae). Anals of Botany, v.69, n.1, p.1-5.
PARENTE, T.V. et al. 1985. Características físico-químicas de frutos de mangaba (Hancornia speciosa Gomes) do cerrado da região do Distrito Federal. Ciência e Cultura, v.37, n.1, p. 95-98.
PEREIRA, A.C. et al. 2015. Hancornia speciosa Gomes (Apocynaceae) as a potential anti-diabeticdrug. Journal of Ethnopharmacology, v.161, n.1, p.30-35.
PEREIRA, A.V. et al. 2016. Hancornia speciosa: manganba. In: Espécies nativas da flora brasileira de valor econômico atual ou potencial:  Plantas para o futuro – região Centro-Oeste. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, p.237-246.
PEREIRA, E.B.C. et al. 2002. Enxertia de mudas de mangabeira. Planaltina (DF): Embrapa Cerrados, 27 p. (Documentos, 65).
PEREIRA, E.B.C. & PEREIRA, A.V. Propagação sexuada da mangabeira. I Simpósio Brasileiro sobre a Cultura da Mangaba, Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
PINHEIRO, E. O látex e a borracha da mangabeira. ). I Simpósio Brasileiro sobre a Cultura da Mangaba, Anais… Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros. CD-ROM.
REZENDE, C.F.A. et al. 2002. Caracterização de ambientes com alta densidade e ocorrência natural de mangabeira (Hancornia speciosa Gomes). XVII Congresso Brasileiro de Fruticultura. Anais… Belém: Sociedade Brasileira de Fruticultura, CD-ROM.
RIZZO, J.A. & FERREIRA, H.D. 1990. Hancornia G. no estado de Goiás. In: XXXVI CONGRESSO NACIONAL DE BOTÂNICA, 1985, Curitiba. Anais… Brasília: Sociedade Botânica do Brasil, v.1, p. 363-368.
SANO, S.M. et al. 1994. Teste de progênies de baru, jatobá e mangaba. Planaltina (DF): EMBRAPA-CPAC, 4 p. (Pesquisa em Andamento, 74).
SILVA, D.B. et al. 2001. Frutas do cerrado. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 179 p.
VIEIRA-NETO, R.D. 1995. Efeito da adubação e calagem no desenvolvimento de mangabeiras. Aracaju: EMBRAPA-EMDAGRO, 5 p. (Pesquisa em Andamento).
VIEIRA-NETO, R.D. 2001. Recomendações técnicas para o cultivo da mangabeira. Aracaju: Embrapa Tabuleiros Costeiros, 20 p. (Circular Técnica, 20).
WINIEWSKI, A. & MELO, C.F.M. 1982. Borrachas naturais brasileiras III. Mangabeira. Belém: EMBRAPA-CPATU,  59 p. (Boletim Técnico).

Site Protection is enabled by using WP Site Protector from Exattosoft.com